Paredes em Transição

O movimento Paredes em Transição é uma rede de amigos que vivem na cidade de Paredes, no Norte de Portugal, que partilham a preocupação de que a debilitante dependência em combustíveis baratos de que a nossa sociedade e economia padecem – e que não está a receber a devida atenção dos vários governos, que parecem actuar na premissa de que o petróleo barato e abundante continuará por cá em perpetuidade – possa vir a resultar em graves e imprevisíveis problemas de que a tecnologia não conseguirá livrar-nos, e que poderão afectar muito negativamente o nosso futuro e o dos nossos filhos. Saiba mais no menu Projecto.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Uma Conversa sobre Apicultura com Harald Hafner


Harald Hafner é um apicultor austríaco há muito radicado em Portugal. Conheci-o em Abril de 2011, no Jardim Botânico de Coimbra, onde deu o seu primeiro curso de apicultura no nosso país.

O Harald é um tipo de natureza tímida, mas quando fala em abelhas, a sua paixão pelo tema explode e ouvi-lo falar sobre a vida das abelhas, as fantásticas propriedades do mel, as plantas melíferas, e a apicultura natural é uma delícia.

O seu respeito pelas abelhas, e a sua visão filosófica sobre a apicultura aproxima-o a um mestre oriental, sempre em busca da perfeição.

Quando se colocou a hipótese de iniciarmos o nosso projecto de colmeias comunitárias, dentro da iniciativa Paredes em Transição, não tive qualquer dúvida em convidar o Harald Hafner a vir a Paredes ensinar-nos a trabalhar com as abelhas.

O Harald esteve, há dias, em Paredes, para nos ajudar a escolher o local para estabelecermos o nosso apiário comunitário, e para combinar a orgânica e a logística do workshop de apicultura. Na altura, tivemos esta conversa, que reproduzo abaixo. Vale a pena ler. É uma fonte de inspiração!

O Harald e o Rúben escolhem o melhor local para instalarmos o nosso apiário.

Conversa com Harald Hafner:

Harald, como descobriste a apicultura?

Sempre tive um grande interesse por insectos. Já em miúdo gostava de observar as abelhas e os abelhões no seu trabalho nas flores, no nosso quintal, e fazia experiências com ninhos de formigas e vespas. Aos 12-13 anos cheguei a ter uma colecção de insectos!

Também tinha uma tia-avó que era apicultora, nas montanhas do norte da Itália, e provavelmente foi ali, na sua melaria, que me apaixonei pelo mel e pelas abelhas.


Como foram os teus primeiros passos como apicultor?

Aos 19 anos, estive quase a ter os meus primeiros enxames, influenciado por um apicultor amigo, mas devido à vida de estudante e ao meu gosto pelas viagens, acabou por não acontecer. Só 15 anos mais tarde voltaria a reencontrar a minha paixão pelas abelhas, quando vivi nos arredores de Viena. Um vizinho que tinha abelhas levou-me até à associação de apicultores locais, e acabou por tornar-se numa espécie de padrinho, durante os meus primeiros passos com a apicultura. Comecei com 2 colmeias num quintal no meio dos bosques de Viena. Estas 2 colmeias tornaram-se em 4 no ano seguinte, pois fiz o meu primeiro desdobramento de um enxame e consegui recolher um enxame silvestre. Comecei como apicultor nas horas vagas!


E a partir daí?

Mais tarde, em 2002 fui viver para a República Dominicana, e como aquele clima tropical oferecia condições excelente para a prática da apicultura, decidi levá-la mais a sério. Rapidamente estava a trabalhar com perto de 200 colmeias na zona de Bayaguana. Aprendi imenso com os apicultores locais, como o meu bom amigo, professor, e mestre Miguel Duarte, que me orientou no mundo das abelhas tropicais e africanizadas. Visitas a Porto Rico e à Florida completaram esta parte do meu percurso.


Para além da experiência que foste acumulando com a prática e a convivência com outros apicultores, chegaste a fazer alguma formação nesta área?

Naturalmente passei por um curso de apicultura, como quase todos os apicultores, mas para aprofundar os meus conhecimentos e ter uma educação formal na área, acabei mesmo por fazer um Mestrado em Apicultura na escola apícola de Warth, na Áustria, que terminei em Fevereiro de 2011.


O que mais te fascina na actividade?

A apicultura é, para mim, uma enorme paixão! Uma paixão transformada em profissão. É uma ocupação muito antiga, primordial, como o caçador, o agricultor, o pastor, o oleiro... e que pode ser praticada em quase todo o Mundo. É uma ocupação próxima e ao ritmo da natureza, interessante, gratificante, e que nunca perde o seu fascínio. Não há duas colmeias iguais, nem dois anos iguais...


É sempre um desafio novo...

É uma aprendizagem constante, mesmo depois de acumularmos uma certa experiência, há sempre mais qualquer coisa para descobrir e aprender. Acho a apicultura comparável às grandes artes do Mundo Oriental, uma permanente busca para chegar à mestria e à perfeição.


Há algum episódio marcante que gostarias de partilhar?

Há muitos, começando pela emoção de receber a minha primeira colmeia, e o primeiro dia que passei a observar o voo das abelhas; a primeira colheita, e ver o mel dourado a correr dos favos, como se fosse ouro líquido; ou o primeiro enxame que apanhei...
Lembro me desta viagem em que trazia as primeiras colmeias na República Dominicana, numa noite de tempestade tropical e de ter carregado cada colmeia, pesada, à chuva, 100 m para dentro do mato, na mais completa escuridão!
E também houve o ataque de um enxame de abelhas africanizadas, em Porto Rico, quando preparava o almoço de raízes (mandioca, taro, inhame) e bananas da horta.



E por cá?

Adoro as visitas aos apiários, de manhã muito cedo, com o sol a nascer, ou o regresso ao fim de um dia de trabalho, com o último sol da tarde... passando por rincões do campo, por aldeias de pedra milenar, por caminhos velhos, do tempos dos romanos, e depois os banhos no rio, no Verão, para arrefecer, depois do trabalho duro e dentro do fato de apicultor...
E há a alegria de ver a primeira postura de uma rainha jovem, ou de retirar o primeiro favo branco da época, cheio de pólen e de mel fresco...
É uma lista muito longa, e realmente não sei que história destacar...


O que te convenceu a estabeleceres-te em Portugal?

Foi uma decisão motivada pelo amor e pelas circunstâncias – foi a minha mulher, a Natália, que me ligou a Portugal. E gosto muito de Portugal! É um país lindo, com gente fantástica! Aqui podes desfrutar de uma vida agradável e calma com todas as vantagens de estar no continente europeu.


E naturalmente a apicultura tinha que fazer parte dessa tua nova vida…

Claro! A apicultura já se tinha transformado numa paixão enorme. Na Primavera de 2007, recomecei com 30 colmeias. Agora trabalho com mais de 250, a maioria das quais na Beira Alta.



Como vês a evolução da apicultura?

Actualmente há, em todo o Mundo, um enorme interesse pelo mel e pela apicultura, com imensos projectos novos a serem implementados. Em parte, será motivado pelos preços favoráveis do mel nos mercados mundiais. Parece que estamos, pouco a pouco, a ultrapassar a crise dos últimos 5 a 7 anos, com o desaparecimento dos enxames – o CCD, ou colapso súbito das colmeias – e o declínio generalizado das abelhas. Há muita gente nova interessada pelas abelhas e pela apicultura, seja como passatempo ou seja a nível profissional. Gente com mente aberta, interessada em aprender novos caminhos ou reencontrar os velhos caminhos, mais sustentáveis.
Surgiu um grande movimento de apicultura urbana, e um renovado interesse na apicultura doméstica. Existem colmeias nos telhados de hotéis de luxo em Boston ou New York, ou no telhado da sede da Luis Vuitton em Paris, em jardins botânicos e parques urbanos… são os exemplos mais visíveis desta tendência.
A crise anterior também causou um grande interesse pela apicultura natural, biológica e sustentável. Para mim esse é o caminho que devemos trilhar.


Com enormes mais valias no campo da qualidade…

Exacto. O mel e os outros produtos da colmeia devem ser vistos pelo consumidor como produtos e alimentos de alta qualidade, benéficos para a saúde. O mel produzido industrialmente, com uso indiscriminado de pesticidas químicos, e vendido como um doce qualquer a preço de oferta nas grandes superfícies, devia ser a excepção e não a regra. Devemos motivar o consumidor a procurar os produtos apícolas directamente no produtor, e de perguntar como ele os produz.


Em Portugal ainda não é assim…

Lamentavelmente, em Portugal, a situação da apicultura (como muitos outros sectores) está ainda um pouco atrasado relativamente a estas novas correntes.
Muitos dos novos apicultores que estão a entrar no mercado, e muitos dos projectos actualmente a serem implementados não contemplam a apicultura biológica ou sustentável, livre de químicos. A maioria dos projectos apostam na produção industrial de mel a granel, orientado para os mercados internacionais, e a competir com gigantes de produção de mel como a Argentina, o Brasil, o México, a China e, aqui mais próximo, a Espanha e alguns países do Leste.


Deviam apostar na produção de um mel qualidade…

Deviam apostar na qualidade e na identidade local e específica dos nossos méis, que possuem uma enorme variedade regional, devido à topografia, ao clima e à vegetação variada do nosso território.


As associações não deveriam ter um papel mais activo na disseminação da apicultura natural?

As associações nacionais e regionais representam mais os grandes produtores e fazem muito pouco para adaptar a legislação à realidade dos pequenos e médios produtores, que acabam por ser a esmagadora maioria dos apicultores portugueses! Não há muitos apoios que cheguem de forma directa e fácil ao pequeno produtor. Desperdiçam-se muitos recursos em projectos e estudos repetidos, muitas vezes não representativos, duplicando conhecimentos já existentes, em vez de se aplicar estes recursos directamente na realidade portuguesa.


Como vês o teu papel como Mestre em Apicultura?

Vejo o meu papel um pouco da seguinte forma: sinto a necessidade de partilhar a minha paixão pelas abelhas e pela apicultura, e de ajudar aqueles que se interessam por estes temas a obter a primeira orientação e a dar os primeiros passos nesse mundo fascinante, mas já com uma perspectiva mais ampla e diversa, do que a que obteriam com alguns dos cursos especificamente técnicos existentes no mercado (sem lhes tirar valor algum!).
Também achava importante desta acção formativa surgisse uma rede de novos apicultores que possa crescer em comunidade, uma rede que lhes permita ajudar-se mutuamente, partilhando as respectivas competências.


Alguma mensagem final?

Precisamos de apicultores novos (jovens de mente!), abertos aos desafios crescentes no mundo apícola, com paixão pelo que fazem e cheios de vontade de aprender constantemente novos caminhos e questionar a validade dos velhos! Há um enorme trabalho a fazer para apresentarmos os nossos produtos de uma forma positiva, para obtermos o preço justo por um produto de altíssima qualidade e valor acrescentado!
Também é essencial divulgarmos o papel importantíssimo das abelhas e dos apicultores para a nossa segurança alimentar, através da polinização, de modo a que possamos ter mais abelhas e mais produtividade alimentar.



Sejam bem-vindos ao maravilhoso mundo das abelhas!

5 comentários:

LuisAmaral disse...

Estou cada vez mais entusiasmado pelo curso!
Acho que será uma oportunidade privilegiada para aprender mais sobre apicultura e sobretudo para consolidar o fascínio que há muitos anos tenho pelas abelhas, pelo mel que produzem e, mais recentemente, pelo seu papel crucial enquanto polinizadores.

Obrigado Paredes em Transição, pela oportunidade!

Miguel Ângelo Leal disse...

Luís, serás muito bem-vindo! Teremos 10 colmeias para os formandos poderem trabalhar, e provavelmente na segunda sessão já teremos algumas colmeias Warré para testar. Por outro lado, o Rúben tem andado a trabalhar nas ementas das refeições, e conhecendo o Rúben, só poderã ser bom! :))

Rui disse...

Caro Miguel,

ACabo de encontrar pelo Google esta referência às colmeias Warré. Acabo de instalar um par delas em Tomar que eu próprio construí. Bem, na realidade são híbridas - um misto de Warré com as dimensões de Thur e algumas coisas adoptadas da colmeia tradicional Japonesa. O que eu gostava de saber é onde cá em Portugal se conseguem arranjar estas colmeias pois desconheço por completo.
Muito obrigado,
Rui

Miguel Ângelo Leal disse...

Olá Rui,
Pelo que me parece, só construindo, ou encomendando a uma marcenaria ou carpintaria. Ainda não temos mercado para estas colmeias!

Miguel Ângelo Leal disse...

Bem, agora já há quem construa colmeias Warré e Top Bar em Portugal:-)
www.timberbee.com