Paredes em Transição

O movimento Paredes em Transição é uma rede de amigos que vivem na cidade de Paredes, no Norte de Portugal, que partilham a preocupação de que a debilitante dependência em combustíveis baratos de que a nossa sociedade e economia padecem – e que não está a receber a devida atenção dos vários governos, que parecem actuar na premissa de que o petróleo barato e abundante continuará por cá em perpetuidade – possa vir a resultar em graves e imprevisíveis problemas de que a tecnologia não conseguirá livrar-nos, e que poderão afectar muito negativamente o nosso futuro e o dos nossos filhos. Saiba mais no menu Projecto.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Lições que nos chegam da China...

Ontem, enquanto o céu sobre Paredes se encobria com o fumo libertado pelos vários incêndios que grassavam nas proximidades, o meu avô chamou-me a atenção para uma notícia que saiu no jornal, em que na Rússia massacrada por incêndios florestais, face à iminente destruição de instalações nucleares (que poderia libertar radioactividade para a atmosfera), os incêndios eram combatidos por robots.

Enquanto que a parte europeia da Rússia sofre o assédio de fogos florestais a uma escala nunca antes vista, na vizinha Polónia uma cidade é submersa vítima de cheias em Agosto. Todos nós temos consciência de que o clima já não é o que era, e que o próprio Planeta e o ambiente em que vivemos está radicalmente diferente das nossas memórias da infância. Mas nem necessário seria recuar tão longe.

Também não será muito difícil reconhecer que os responsáveis por estas aberrações climáticas somos nós e o nosso estilo de vida consumista. E parece não haver forma de se inverter a tendência. A melhor metáfora que ouvi sobre a incapacidade da humanidade em parar, pensar e agir para reparar os estragos e evitar o pior, ouvi-a do meu avô, que vai fazer 93 anos, e que compara a humanidade a um cavalo que tomou o freio nos dentes e que galopa loucamente em direcção ao abismo, sem que haja maneira de o fazer parar.

Há, no entanto, bons exemplos que nos poderiam servir de inspiração, e um dos melhores provém, surpreendentemente, da China. O artigo de Craig Mackintosh publicado a 6 de Agosto no blog do Permaculture Research Institute of Australia faz uma introdução a um documentário intitulado “Lessons from the Loess Plateau”, realizado e produzido por John Liu, e que documenta a transformação por que passou uma região de 35.000 km2, onde nasce o Rio Amarelo, no Norte da China, considerada como uma das regiões da terra mais afectadas pela erosão. Não digo mais, leiam o artigo de Craig Mackintosh, que tomei a liberdade de traduzir para português e vejam o filme!
Por Craig Mackintosh, in http://permaculture.org.au. 6 de Agosto de 2010:
A Call to Large Scale Earth Healing and Lessons from the Loess Plateau

Enquanto escrevo estas palavras, durante o Verão mais quente desde que há registos, metade da Rússia está a arder. O Paquistão encontra-se a braços com as maiores cheias na memória dos seus anciãos e a Austrália encontra-se refém de uma seca que dura já uma década. Por todo o Mundo, a última década é a mais quente desde que há registos e 2010 poderá bater os Records de 1998 e 2005, tornando-se o ano mais quente de que temos conhecimento. Podíamos passar semanas a examinar, país a país, as manifestações extremas de um clima errático que nos últimos tempos se têm feito sentir.

No nosso processo de destruição da Natureza, atravessamos agora uma linha imaginária para lá da qual todos os nossos esforços para regenerar o planeta encontrarão maior dificuldade em suceder. O nível de destruição dos ecossistemas e dos serviços que estes nos prestam foi tal que se despoletou um ciclo vicioso extremamente perigoso. O clima tornou-se um comboio desgovernado - e os passageiros somos nós.

Consideremos os incêndios na Rússia, por exemplo - milhões de árvores importantes para a produção de chuva desfazem-se em cinzas, libertando o carbono que continham. As árvores são um sumidouro de carbono. Quando se incendeiam, tornam-se numa fonte de libertação de CO2. As cheias no Paquistão desenraizaram a vegetação, que mais tarde morrerá e muito do carbono nela contido acabará na atmosfera. Com menos árvores, as cheias serão mais frequentes e o solo que estas plantas seguravam será levado pelas águas. No Árctico, o permafrost (o solo vegetal permanentemente gelado) está a derreter, libertando metano - um dos mais potentes gases de efeito de estufa - a um nível sem precedentes - prenunciando ainda maiores subidas na temperatura. Os nossos oceanos estão a tornar-se mais ácidos, ameaçando tornar o maior sumidouro de carbono do Planeta em mais uma fonte de libertação de CO2. E por aí adiante…

As peças do dominó estão a cair, uma após outra, após outra. É como se a Natureza nos gritasse: "Se não apreciam os serviços prestados pelos ecossistemas, vou acabar com eles de vez".

Encontramo-nos perante uma crise a uma escala sem precedentes. Acima da crise energética, da crise climatérica, e das crises provocadas pela deterioração do solo, da água e da biodiversidade, paira a mãe de todas as crises - a crise alimentar. As colheitas desfazem-se em fumo ou são levadas pelas águas, e o mesmo acontece com os nossos preciosos solos, enquanto que as reservas de cereais do planeta se encontram no nível mais baixo e a produção em declínio, enquanto que a procura aumenta. No actual contexto populacional, tal crise alimentar traduzir-se-á numa crise sócio/politico/económica numa escala que fará com que as convulsões da Segunda Guerra Mundial pareçam um passeio pelo parque.

As coisas estão a ficar feias, mas muitos ainda não acordaram para contemplar a formidável tempestade que se está a preparar. E dos poucos que acordaram, muitos limitam-se a discutir lâmpadas de baixo consumo, veículos híbridos, créditos de carbono e reciclagem. Discute-se sermos um pouco “menos maus”, ignorando a necessidade urgente de cada um de nós - cada um dos seis mil e oitocentos milhões de nós (e sempre a subir, a uma taxa de mil milhões a cada doze anos…) - nos tornarmos, imediatamente um elemento positivo na biosfera. E temos que agir depressa! (O provérbio inglês “um ponto em bom tempo pode evitar nove” parece apropriado quando se têm em consideração estes ciclos viciosos….)

No entanto, existe uma solução! E a solução é um esforço colectivo e em grande escala para ajudar a Natureza a restaurar os processos biológicos que, até agora, mantiveram o planeta estável ao longo de milénios. A solução encontra-se no design, na observação e replicação dos sistemas simbióticos naturais. Não precisamos apenas de menos carros, precisamos de mais biologia – mais fotossíntese e mais vida! Não teremos florestas húmidas por todo o lado, mas poderemos, certamente, ter florestas por todo o lado capazes de nos fornecerem alimentos! O documentário que encontrarão abaixo, e que, de certa maneira, ilustra o que foi dito acima, lança uma centelha de esperança. O filme documenta uma incrível jornada de transição e restauração de uma área com 35.000 quilómetros quadrados no planalto de terreno sedimentar onde nasce o Rio Amarelo, no Norte da China. A jornada começa com este vasto território completamente erodido pelo sobrepastoreio e cheias constantes, e termina mostrando encostas de socalcos verdejantes, estabilização das cheias, produção abundante de alimentos e prosperidade. Esta jornada durou apenas 10 anos.



Assistam a este documentário e enquanto o fazem, considerem qual o tipo de sistema social/politico/económico mais propício para que tal resultado seja atingido em outros locais do Mundo. É um mix interessante de interferência “top-down” (do governo para o povo, tanto em termos de regulamentos impostos como de investimentos financeiros) combinada com “privatização do território” e envolvimento participatório a todos os níveis. Este documentário reforça a ideia de que é necessário construir comunidades resilientes, localizadas, educadas holisticamente e com ampla participação política, cujos membros não colocam de lado o governo, mas que através de um maior envolvimento no processo de tomada de decisões (incluindo a escolha dos seus representantes) se tornam efectivamente governo e auto-determinam a construção de um mundo melhor, baseado na boa gestão do território e simplicidade voluntária. Para atingir os resultados ilustrados no documentário que se segue, não podemos agir como indivíduos isolados, trabalhando para o nosso próprio interesse. Precisamos de unir esforços e trabalhar colectivamente. E em muitos casos, decisões que foram amplamente discutidas, com complexidade e sensibilidade, terão que ser impostas àqueles que não conseguem ver o quadro completo ou pura e simplesmente se estão a borrifar.

Poderão, igualmente, assistir a este filme na página Documentários.

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