Paredes em Transição

O movimento Paredes em Transição é uma rede de amigos que vivem na cidade de Paredes, no Norte de Portugal, que partilham a preocupação de que a debilitante dependência em combustíveis baratos de que a nossa sociedade e economia padecem – e que não está a receber a devida atenção dos vários governos, que parecem actuar na premissa de que o petróleo barato e abundante continuará por cá em perpetuidade – possa vir a resultar em graves e imprevisíveis problemas de que a tecnologia não conseguirá livrar-nos, e que poderão afectar muito negativamente o nosso futuro e o dos nossos filhos. Saiba mais no menu Projecto.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Cantar os Reis

Uma das mais saudosas recordações que tenho dos meus tempos de criança eram as noites de Ano Novo e de Reis, em que, na companhia dos meus camaradas de palmo e meio, percorria a parte baixa da vila de Paredes (que na altura ainda não era cidade ;-), no escuro e ao frio, encasacados até às orelhas, a cantar as janeiras e os réis (pelo menos é como lhe chamávamos). Eram as únicas noites do ano em que os nossos pais nos permitiam andar por ali à noite. Tínhamos pouco mais ou menos de 10 anos. Hoje seria impensável!!!
Escolhíamos algumas portas, junto às quais assentávamos arraial, e cantávamos até que nos abrissem a porta - a cantoria parava quando a porta se abria. Talvez fosse melhor assim - regra geral, o barulho dos instrumentos improvisados sobrepunha-se às nossas vozes desafinadas, desarticuladas, entarameladas, por vezes. Mesmo assim, havia sempre algumas moedas que passavam das mãos de uma alma caridosa para o nosso saco - geralmente moedas de cobre. Depois desejávamos um bom ano e ala para a próxima porta.
De vez em quando havia alguém que não nos abria a porta, e para esses tínhamos uma cantiga especial: "Viemos cantar os Reis e voltamos a recantar, para este barbas de farelo que não tem nada para nos dar".
Hoje é raro ouvir cantar Reis e Janeiras, se bem que alguns ranchos o façam de vez em quando. Por esta razão, foi uma agradável surpresa quando vi que a nossa vizinha D. Branca se preparava para, juntamente com a sua família, ir cantar os Reis a outra paragem, e pedi-lhes que o fizessem igualmente à nossa porta. Penso que o meu convite os surpreendeu. Penso também que as crianças apreciaram o facto de alguém ter especificamente pedido que cantassem à sua porta, que valorizasse a sua voz e o seu esforço. A nossa filha de 4 anos não achou grande piada que alguns dos chocolates que lhe deram no Natal passassem para as mãos dos outros meninos, mas não teve outra alternativa senão aceitar, e o acesso de choro passou rapidamente. Foi uma espécie de viagem no tempo. Agradável para todos.



Lembro-me de um episódio que Rob Hopkins mencionou no livro The Transition Handbook, em que, tendo perguntado ao Dr. David Fleming qual seria, na impossibilidade de fazer mais do que uma coisa, a acção que deveríamos tomar para tornar as nossas comunidades mais resilientes e preparadas para o pico do petróleo, e este, após ter feito uma pausa para pensar, respondeu: "integrar-se no coro".
Também assim se cria comunidade e resiliência. A cantar os Reis.

1 comentário:

avaleleal disse...

Parabens pelo artigo e pela foto !É meritório o procurar divulgar estas quase esquecidas mas belas tradições .
Cumprimento-o por isso .
A . Vale Leal